Entrevista: Cláudia Naylor
Em 2018, a médica Cláudia Naylor completará 20 anos de serviços prestados ao Instituto Nacional de Câncer do Brasil (INCA). Ao longo de todo este tempo ela foi uma das principais responsáveis pelo crescimento e desenvolvimento do centro oncológico considerado referência nacional, de extrema importância para a saúde no País.
Graduada em Medicina pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e com três especializações no currículo, Naylor sempre procurou aliar suas atividades profissionais com a acadêmica. Atualmente ela desenvolve uma pesquisa inédita de doutorado no COPPEAD sobre os custos e os benefícios do cuidado paliativo no sistema de saúde brasileiro, temática muito relevante e ainda pouco pesquisada no País.
1) Desde quando você começou seus estudos em medicina, na década de 80, como você percebe as mudanças que aconteceram até os dias de hoje, a partir de sua própria experiência profissional, passando pelo impacto das novas tecnologias e também, até mesmo, com evolução das diversas formas de se tratar e lidar com a doença e com a morte?
Comecei minha atuação como médica no início da década de 1990, com interesse imediato em Oncologia, minha área de dedicação exclusiva a partir de 1995, quando ingressei no INCA como residente. De uma forma geral, o avanço tecnológico da Medicina começou a ser observado a partir da segunda metade do século XX no campo da medicina diagnóstica e terapêutica, principalmente, fazendo com que muitas doenças antes mortais se transformassem em crônicas, levando à longevidade dos pacientes portadores. Isto culminou com aumento da prevalência das doenças crônicas, entre as quais incluem-se as doenças circulatórias e respiratórias crônicas, diabetes, doenças infecciosas crônicas e o câncer. Em países em desenvolvimento como o nosso, em que pesem os grandes e importantíssimos avanços em Oncologia, observamos, aliados ao envelhecimento da população, a manutenção de riscos pré-existentes para câncer, dificuldade de acesso ao sistema de saúde e diagnóstico em estágio avançado de doença. Como consequência direta, um grande número de pacientes com câncer avançado sem possibilidade de cura (e seus familiares) são candidatos a receberem suporte de cuidados paliativos. De acordo com um levantamento de dados sobre a mortalidade brasileira, no ano de 2010, através do Tabnet/DataSUS, estima-se que cerca de 240 mil brasileiros morreram por patologias relacionadas à paliação e, portanto, teriam se beneficiado de serviços de cuidados paliativos, sendo que cerca de 60% dos casos são referentes a pacientes oncológicos.
Na realidade atual do Brasil, segundo a OMS, menos de 8% dos pacientes tem acesso a um adequado controle de sintomas corroborando a pesquisa da The Economist Intelligence Unit de 2015, que coloca o País em 42º lugar entre 80 países, no que tange à Qualidade de Morte, ou seja, milhares de pacientes morrendo em grande sofrimento. Sem dúvida, existe um trabalho urgente a ser feito nesta área.
2) A desigualdade no acesso ao tratamento paliativo é um problema que precisa ser enfrentado. Do total de 56 milhões de pessoas que morrem por ano em todo o mundo – 44 milhões em países em desenvolvimento – cerca de 60% poderiam ser beneficiadas pela medicina paliativa. Neste sentido, como você avalia a necessidade de desenvolver uma Política Nacional de Cuidados Paliativos integrada à atenção básica da saúde?
Usar o termo “desigualdade” é uma grande benevolência, na realidade do Brasil. Nosso país, de dimensões continentais, com suas complexas e diferentes necessidades, possui pouco mais de 100 serviços de Cuidados Paliativos, sendo 80% estabelecidos nos grande centros das regiões Sudeste e Sul. Some-se a isso o fato de tais serviços serem isolados e com pouca comunicação, dificultando a identificação de um padrão de qualidade, na área. A OMS defende que os cuidados paliativos são uma necessidade urgente e humanitária de natureza global para as pessoas com câncer ou doenças crônicas ameaçadoras da vida e recomenda que devam ser ofertados a partir do diagnóstico, associados à terapia curativa. Para tanto, juntamente com a disponibilidade de medicamentos e educação e treinamento sobre o tema, é necessária uma Política Pública com recomendações detalhadas para a organização e integração de um programa de âmbito nacional. Para alcançar maior eficácia, estes serviços devem ser integrados ao sistema de saúde do país em todos os níveis de atenção e adaptados à realidade cultural, social, econômica e ambiental de cada região. O princípio básico dessa política é que “toda pessoa que necessita deve poder ter acesso a um nível apropriado de cuidados paliativos, no tempo e no local que sejam consistentes com suas necessidades individuais e preferências pessoais”.
3) Na sua unidade do INCA não há CTI. Habita aí o conceito de que o paciente não se beneficia com isso? Porque desta decisão?
Nos Cuidados Paliativos, o princípio ético básico de autonomia do paciente e garantia de sua dignidade, bem como o conceito de Ortotanásia estão presentes. O Código de Ética Médica, aprovado em 24 de setembro de 2009 regulamenta a possibilidade de suspensão de medidas extraordinárias e fúteis, realizando-se a Ortotanásia: “diante de situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados”.
Nesse contexto, a “Declaração Prévia de Vontade do Paciente Terminal”, documento no qual qualquer pessoa possa indicar seu desejo de que se deixe de lhe aplicar um tratamento em caso de enfermidade terminal, manifestando a vontade e autonomia do paciente, também é respeitada.
Assim, as disposições que digam respeito à não realização de tratamentos ou medidas fúteis são válidas e respeitadas, não ocorrendo entubação ou ordens de reanimação, questões a serem reafirmadas pelos pacientes e seus familiares que aceitarem a condução de seu caso na filosofia dos Cuidados Paliativos.
4) Qual a importância da comunicação em todo ciclo de doença , entre equipe, familiares e pacientes?
Pacientes com doença limitante da vida e seus familiares comumente recebem uma sequência de más notícias a partir do momento em que a doença progride. Informações pertinentes são essenciais para que pacientes e cuidadores participem nas tomadas de decisão sobre seus cuidados, estabeleçam prioridades realistas e preparem-se para a morte e suas consequências. Médicos precisam fornecer informações de uma maneira que as necessidades individuais, tanto de pacientes quanto familiares sejam respeitadas (podendo ser pouca ou muita informação), melhorem a compreensão e auxiliem no enfrentamento e nos ajustes que serão feitos pela unidade de cuidado. No entanto, ainda há muita deficiência nessa prática. Muitos profissionais da saúde ficam desconfortáveis em discutir prognóstico e questões relacionadas a cuidados ao fim de vida. As razões para esta situação incluem falta de treinamento em comunicação, estresse, falta de tempo ara abordar as necessidades emocionais do pacientes, medo de perturbar o paciente e sentimento de desesperança quanto à indisponibilidade do tratamento curativo. Mas é certo que quando a comunicação não é honesta e detalhada o suficiente, novamente respeitando-se a vontade dos pacientes, estes têm uma percepção de que os profissionais de saúde estão escondendo informações potencialmente assustadoras, diminuindo a confiança na equipe e comprometendo a adesão terapêutica.
5) Como você observa a relação do seu aprendizado no COPPEAD com a aplicação no seu trabalho no INCA?
Minha relação com o COPPEAD vem desde minha participação como aluna da 17ª turma do MBA Gestão em Saúde do COPPEAD, quando obtive acesso a conceitos e técnicas modernas de gerenciamento e administração. A Saúde é um setor de uma complexidade ímpar, em que as decisões são tomadas muitas vezes sob pressão, necessitando estabelecer prioridades rapidamente, com utilização racional de recursos escassos. Trabalhar pensando nos custos se faz extremamente necessário, especialmente em uma instituição pública de responsabilidade no sistema de saúde, como o INCA. Durante o MBA , fui apresentada à Economia da Saúde e entendi a importância de se “pensar saúde” e fazer questionamentos sobre o que é gasto com novas tecnologias e cuidados e a necessidade de evidência dos prováveis benefícios a serem alcançados. A partir do interesse nesse campo de Economia da Saúde, me inseri no programa de Doutorado da instituição para desenvolver pesquisa na área.