Para conhecer as práticas de Gestão de Estoques nos hospitais brasileiros, o CESS pesquisou, mediante pesquisas em profundidade, quatro hospitais, um público e três privados, dois em São Paulo e dois no Rio, o menor com 184 e o maior com 620 leitos. Os resultados são apresentados abaixo no artigo do Prof. Kleber Fossati Figueiredo.
Dentre os muitos aspectos da administração de um hospital que devem ser tratados com cuidado, um merece atenção especial: a gestão dos estoques. É essa a atividade que garante a disponibilidade de todo o material que será utilizado pelos médicos e demais funcionários do hospital para salvar vidas. Apesar da importância do assunto, infelizmente o problema de falta de remédios e outros materiais em hospitais não é raro; da mesma forma, casos de desperdício por excesso de medicamentos também são frequentemente veiculados na mídia.
Essa realidade, de desperdício por um lado, e de falta de produtos essenciais para cuidar da saúde da população, por outro, ressalta a importância de que a gestão dos estoques seja feita de forma criteriosa, levando-se em conta duas medidas: o dimensionamento e o controle dos estoques. Enquanto o dimensionamento cuida da previsão de consumo, dos custos, da segmentação de itens, do relacionamento com fornecedores, das sazonalidades e do estoque de segurança, o controle engloba tópicos como: momento da colocação do pedido; controle de itens perecíveis; consumo emergencial; e sistemas de informação para o gerenciamento de estoques.
O ponto de partida para o dimensionamento dos estoques é a previsão de consumo e o principal fator levado em consideração nessa previsão é o histórico de consumo. Os entrevistados relataram grandes dificuldades em relação a esta atividade, devido à baixa previsibilidade do setor em relação a quantos pacientes irão receber e aos produtos de que irão necessitar. A maioria dos hospitais utiliza o histórico como único fator na previsão de consumo. Por vezes, outros fatores, como a sazonalidade ou a programação de cirurgias, são incluídos na análise, porém apenas informalmente. Apesar de perceberem alguma sazonalidade no consumo, os hospitais pesquisados, à exceção de um deles, não consideram esse fator em seu modelo de previsão de consumo, ajustando suas compras com base apenas no conhecimento tácito de quem faz as compras.
Outro aspecto que deixa a desejar é o relacionado com o custo dos estoques. O grande problema é que, na maioria das vezes, apenas o custo de aquisição dos produtos é considerado, fazendo com que não se tenha a dimensão exata de quanto esta atividade custa para o hospital. Os resultados demonstram certo amadorismo na previsão de consumo, uma vez que há modelos mais complexos que poderiam ser utilizados. No entanto, nenhum dos hospitais se mostrou muito disposto a adotar novas técnicas, com exceção do maior hospital pesquisado, que já possui um modelo de previsão de consumo bastante complexo.
Observou-se que o dimensionamento não é feito da mesma maneira para todos os produtos; algumas características particulares dos itens, como volume de consumo e tempo de resposta dos fornecedores, são levadas em consideração para segmentar os produtos de forma a dimensionar suas quantidades, assumindo mais ou menos riscos. Os hospitais pesquisados segmentam seus estoques com base na classificação ABC, adotando como critérios de classificação o valor do item, a criticidade do produto, o volume de consumo, o prazo de validade e necessidades de cuidados especiais.
Para realizar o dimensionamento dos pedidos de compras, os hospitais combinam a previsão de consumo com a definição de uma cobertura máxima (em dias) de estoques a ser mantida. No entanto, a dificuldade nas previsões, faz com que a definição do nível máximo seja muitas vezes realizada de forma subjetiva, e não baseada em cálculos. Outro problema é que nem sempre os níveis máximos são seguidos. Isso significa que os hospitais podem ser duplamente conservadores, primeiro ao estabelecer níveis máximos maiores que o necessário e, depois, por manter estoques acima dos limites definidos por eles próprios. Este mesmo problema de informalidade do cálculo, muitas vezes associada ao conservadorismo, gerando excesso de estoques, é observado na determinação de outro fator importante para o dimensionamento: o estoque de segurança. A maioria dos hospitais não calcula quanto deve ser mantido; apenas estabelece um número de acordo com a experiência dos profissionais da área, levando muitas vezes a estoques maiores que o necessário.
Um ponto que se mostrou positivo para os hospitais privados foi o estabelecimento de contratos de longo prazo com certos fornecedores, tornando as entregas mais confiáveis e o tempo de ressuprimento mais previsível, o que reduz as incertezas e facilita o dimensionamento dos estoques. O hospital público, por precisar de licitação para contratos de fornecimento, não pode usufruir destes benefícios. Pode-se supor que esses contratos também sejam vantajosos para os fornecedores, uma vez que os hospitais relataram ser frequentemente procurados por seus fornecedores para a elaboração de novos contratos com estes.
Apesar de perceberem benefícios em estabelecer relação mais próxima com os fornecedores, os gestores entrevistados não demonstraram interesse em aplicar o sistema Just-in-Time ou o VMI (Vendor-Managed Inventory), as iniciais da expressão em inglês de estoque gerenciado pelo fornecedor. Em resumo, a maneira e os motivadores das tomadas de decisões variam muito de hospital para hospital. No hospital público, as oportunidades de se tomar decisões são mais limitadas devido à legislação. Naquilo que se tem controle e em que se pode decidir livremente, o tom costuma ser de cautela e as decisões muito conservadoras em relação à possibilidade de falta de algum medicamento, sempre tendo mais preocupação com a falta que com o excesso.
Os hospitais que fazem parte de redes também possuem certas limitações para tomada de decisões, já que são obrigados a seguir determinados procedimentos. No entanto, isso não se mostrou um problema para eles, sendo até benéfico para formalizar certos processos. Onde há autonomia para decidir, a principal forma de tomada de decisão parece ser baseada no conhecimento tácito dos funcionários que, apesar de possuírem experiência no setor de saúde, não são, necessariamente, especialistas em gestão. Desta maneira, as decisões são muitas vezes tomadas através do método de “tentativa e erro”, em que se testam várias opções ao longo do tempo para que se chegue a um bom resultado. Seria melhor que o ponto de partida para as “tentativas e erros” fosse, de alguma forma, mais estruturado com base em cálculos, comparações ou observação de padrões.
Como e por que são tomadas as decisões dos diferentes aspectos do controle dos estoques?
O controle é fundamental e está diretamente ligado ao dimensionamento dos estoques: quando se opta por manter níveis mais baixos de estoques, é necessário fazer um controle rigoroso para que não falte produto; e quando os níveis de estoques são grandes o suficiente para que a falta seja algo pouco provável, a preocupação maior do controle passa a ser a obsolescência dos produtos.
Em geral, os hospitais pesquisados utilizam o método do Intervalo de Revisão para definir o momento de colocação do pedido, por considerá-lo mais simples e adaptável à realidade dos hospitais, que é de alta incerteza em relação à demanda. Apesar de os gestores demonstraram grande preocupação com as perdas por perecibilidade, em geral não é utilizado um método formal para evitar estas perdas, como LIFO (Last In, First Out) ou FIFO (First In, First Out),, limitando-se a práticas como acordos com seus fornecedores e políticas de não aceitar produtos que estejam perto da data de expiração.
Ainda que se mantenha um nível alto e bem controlado de estoques, todos os hospitais pesquisados trabalham com algum tipo de mecanismo de resposta rápida para casos de emergência. Importante observar que os itens não são segmentados para definir o que é considerado emergência, gerando custos altos para reposição indiscriminada de produtos.
O controle de estoques depende muito da tecnologia disponível para esta atividade. Os gestores reconhecem a importância do investimento em tecnologia da informação para esse fim e o fazem quando possível. O desejo maior dos gestores parece ser em tecnologias que possibilitem o rastreamento dos produtos dentro e fora dos hospitais, desde que são solicitados aos fornecedores, até que sejam utilizados pelos pacientes. No entanto, observou-se que ainda há muito espaço para os quatro hospitais evoluírem neste sentido. Há novas tecnologias disponíveis no mercado, que integram os hospitais aos seus fornecedores e que poderiam ser interessantes para os hospitais, mas que esbarram nos custos e nas restrições oriundas de certos processos que alguns dos hospitais precisam seguir.
Em resumo, a análise dos casos revelou que, salvo algumas exceções, os hospitais raramente conseguem identificar os benefícios de uma boa gestão de estoques e colocar em prática o que as boas práticas recomendam. Os hospitais ainda têm muito que melhorar para obter os ganhos advindos de uma boa gestão de estoques.
Professor Kleber Fossati Figueiredo
Ph.D. em Administração de Empresas, IESE, Universidad de Navarra (Espanha)
Professor Coppead – UFRJ e Pesquisador CESS-UFRJ