Quando o assunto é qualidade e segurança do paciente, a professora, doutoranda do COPPEAD e pesquisadora do CESS, Liliana Amaral, é, sem dúvida, uma das referências no Brasil.
Graduada em Enfermagem e Obstetrícia há quase 40 anos, Liliana possui vasta experiência acadêmica e profissional, principalmente em gestão de serviços de saúde para instituições como Golden Cross/IGASE, INCA, Hospital Alemão Oswaldo Cruz e Ministério da Saúde.
1) Ao longo dos anos, desde quando você ingressou na área de saúde até os dias de hoje, como você percebe as mudanças que aconteceram, principalmente a partir do impacto das novas tecnologias e inovações nas questões que envolvem diretamente a qualidade e a segurança do paciente?
Liliana Amaral: As inovações tecnológicas trouxeram muitas oportunidades para os profissionais e pacientes, tanto positivamente quando negativamente. Por um lado, os avanços das novas tecnologias resultaram em um cuidado muito mais complexo, ou seja, são mais etapas. A qualidade do cuidado aumentou pois justamente temos mais oportunidades para tratar o paciente, de forma mais integral. Por outro lado, os procedimentos tornaram-se mais evasivos, há mais etapas e, consequentemente, mais riscos.
2) No começo de 2013, em confluência com as exigências da Organização Mundial de Saúde, foi criado o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP). Desde então, você acredita que já aconteceram algumas mudanças na chamada “cultura de segurança” no Brasil?
Liliana Amaral: Realmente, a partir de 2013, algumas mudanças foram significativas. A implementação do núcleo de segurança dos pacientes nas unidades e a efetivação dos seis protocolos de segurança trouxeram para as unidades de saúde um maior compromisso com a segurança do paciente. Ainda assim, ainda temos no Brasil mais de 100 mil unidades de saúde que precisariam (e estariam dentro da legislação) atender esta portaria. No entanto, até o final de 2016, menos de 5% destas unidades tinham este núcleo. Creio que é um processo longo alcançar esta cultura de segurança e assim melhorar estes serviços.
Mesmo diante destes números, algumas unidades que já conseguiram implementar os protocolos têm trabalhado muito com a notificação dos eventos. Profissionais foram treinados e desenvolveu-se um sistema de notificação onde todos estão atentos para notificar qualquer situação de risco, incidentes ou falhas que aconteçam. A partir disso, os profissionais voltam no processo, investigam o que aconteceu e fazem melhorias naquele mesmo processo para garantir que outros pacientes, outras situações e eventos como estes não se repitam.
Uma inovação que também tem acontecido é o trabalho pró-ativo com relação aos riscos. A notificação concentra no que já aconteceu e estas instituições que já trabalham com a notificação de eventos estão partindo para um estágio seguinte, que é verificar antecipadamente, com ferramentas específicas, os possíveis riscos e a probabilidade deles acontecerem novamente. Assim, estas instituições começam a trabalhar com ações pró-ativas para que estes riscos não se tornem eventos. Acredito que a grande melhoria a partir de 2013 é justamente a mudança do pensamento de alguns gestores e unidades para implantação destes protocolos. No entanto, a partir de minha experiência como palestrante pelo Brasil sobre o assunto, vejo que ainda existem muitos profissionais que necessitam deste conhecimento prévio para então aplicar em suas unidades.
3) Como é possível garantir a segurança assistencial através da capacitação dos profissionais? Quais seriam as principais estratégias para que os resultados sejam, de fato, satisfatórios?
Liliana Amaral: O objetivo da capacitação dos profissionais é, primeiro, a conscientização para segurança do paciente. Se o profissional não estiver comprometido, de nada irá adiantar capacitá-lo. O primeiro ponto é a sensibilização. O profissional tem que querer mudar o seu próprio comportamento. Devemos trabalhar para que os padrões de segurança sejam colocados dentro dos padrões de trabalho deste profissional. Além disso, a capacitação também deve ser contínua.
Uma das grandes mudanças é que não colocamos mais o profissional de saúde em sala de aula. Ou ele aprende no próprio local de trabalho ou utiliza-se de técnicas de simulação realística. Isso é o que temos de mais moderno hoje. Antes, nós usávamos a simulação realística para treinar casos como paradas cárdio-respiratórias e outros procedimentos, atualmente utilizamos estas simulações para treinar comportamento, colocamos situações para que os profissionais simulem como dar uma resposta ao paciente, como comunicar um evento adverso e como ele se colocaria dentro da equipe. Uma grande inovação é, sem dúvida, alterar o comportamento dos profissionais através de simulações realísticas e sempre que possível fazer isso dentro do local de trabalho para que ele possa vivenciar melhor determinada situação.
É importante ressaltar também que, para realizar a capacitação e garantir a segurança do paciente, nós precisamos ter processos da forma mais alinhada possível para assim minimizar os riscos do próprio processo. Ou seja, é preciso antes definir o processo para realizar a capacitação, caso contrário de nada irá adiantar todo o trabalho envolvido.
Por fim, as técnicas para definir os processos e procedimentos também mudaram. Primeiro, preciso ter o consenso colaborativo, desta forma o profissional irá sentir que faz parte de todo processo. Além disso, as formas de escrever também mudaram, já não mais usamos aqueles documentos escritos de forma corrida, usamos agora algumas ferramentas da metodologia lean (a folha de trabalho padronizada, FTP, por exemplo) e utilizamos também alguns elementos do design thinking.
4) Há um debate entre profissionais e pesquisadores de saúde sobre a dicotomia técnico-administrativa na hora da implantação da Governança Clínica. Atualmente, como é possível superar esta dicotomia para alcançarmos melhores desfechos para o paciente?
Liliana Amaral: Sempre existiu e sempre existirá essa dicotomia técnico-administrativa nas instituições de saúde pois o administrador irá, na maioria das vezes, pensar em custos. Ele quer tudo mais barato, e, quase sempre, não entende quais são os anseios e necessidades da área técnica. Já o técnico quer salvar vidas, quer os melhores equipamentos e materiais. É necessário aproximar estas partes. É necessário fazer com que as áreas técnicas conheçam melhor os indicadores de gestão, de custo, administrativos e operacionais e, em contrapartida, os administradores devem conhecer os indicadores de desfechos para os pacientes, dos resultados de aplicação de protocolos, entre outros indicadores técnicos. Hoje em dia, percebo que as instituições não param pra pensar, ou seja, não realizam um planejamento adequado, não definem os investimentos, quais os resultados e benefícios para o paciente desejam alcançar, qual a produtividade da equipe e quais as consequências e limitações tecnológicas.
Acredito que devemos começar por um planejamento que envolva as duas áreas, técnico e administrativo, para depois então passarmos a pensar na governança clínica. Ou seja, pensar como podemos melhorar as condições para o paciente aliada à efetividade, com menor custo possível.
5) Você poderia destacar os principais pontos de seu trabalho de doutorado e também como o CESS/COPPEAD tem influenciado no desenvolvimento de suas pesquisas?
Liliana Amaral: Comecei o doutorado este ano e o objetivo é pesquisar como a governança institucional, como os administradores e os gestores diagnosticam e pensam em como diagnosticar a cultura de segurança. Também pretendo investigar a questão da qualidade de segurança dentro das instituições destes gestores e quais estratégias eles querem tomar para que a segurança melhore.
Atualmente, existem várias técnicas e estratégias para implementar os protocolos de segurança do paciente e nem sempre a alta gestão sabe como proceder (por onde começar, como está a sua equipe etc.). Quando uma instituição é maior, este problema aumenta porque, na maioria das vezes, a alta direção fica muito longe da ponta. Então, o primeiro ponto que pretendo trabalhar, após a revisão de literatura que está sendo realizada, é desenvolver um instrumento para diagnosticar em que ponto a instituição está em relação às estratégias para segurança do paciente para depois propor algum instrumento ou formas de melhorias a partir destes resultados.
Por fim, gostaria de dizer que o CESS está me ajudando muito para o desenvolvimento de meu trabalho. Minha orientadora (Profª. Dra. Claudia Araújo) tem sido muito elucidativa em vários pontos que eu desconhecia. E como estou começando, pode ser que mude alguns caminhos. Além disso, meus colegas me ajudam muito a discutir o tema e enfrentar novas dificuldades, com sugestões de novas literaturas. Creio que fazer parte do CESS é um grande incentivo para o trabalho de pesquisa que temos pela frente.