Medicamentos são um dos maiores custos para o sistema de saúde e perturbações na cadeia de suprimentos farmacêutica resultam em consequências não só financeiras, mas também de impacto direto na qualidade de vida das pessoas. Recentemente, foi divulgado na mídia um caso de corrupção na saúde pública do estado do Rio de Janeiro que resultou na perda de centenas de lotes de remédio que não chegaram aos pacientes e tiveram que ser descartados devido a prazos de validade expirados. Eventos como este, que impactam negativamente o fluxo eficiente da cadeia de suprimentos, são chamados na literatura de supply chain risks (riscos da cadeia de suprimentos).
Tendo em vista a relevância e atualidade do tema, a dissertação de mestrado de Jessica Rocha da Silva, mestranda do COPPEAD e pesquisadora do CESS/COPPEAD, teve como objetivo identificar e classificar os principais riscos para a cadeia de suprimentos farmacêutica no Brasil. A pesquisa, orientada pela Profa. Claudia Araujo, foi realizada em 2017, aplicando a metodologia Analytic Hierarchy Process (AHP) como ferramenta de avaliação de risco.
Na primeira fase da pesquisa foram realizadas entrevistas com executivos do setor para fazer uma pré-seleção dos 10 riscos considerados mais impactantes para a cadeia de suprimentos no Brasil, a partir de uma lista de 43 riscos identificados na literatura. Nessa etapa, riscos comumente discutidos na literatura internacional, como falsificação e desastres naturais, não foram apontados como de alto impacto, enquanto que riscos pouco discutidos, como roubo/desvio de carga, foram abordados dentro do contexto brasileiro. Os 10 riscos apontados pelos entrevistados estão apresentados no Quadro 1.
Quadro 1 – Os 10 riscos mais impactantes para a cadeia de suprimentos da indústria farmacêutica no Brasil
Na etapa seguinte, profissionais dos diferentes elos da cadeia de suprimentos (indústria, distribuidor, varejo e comprador institucional) foram entrevistados e avaliaram os 10 riscos de acordo com três componentes: chance de ocorrência/frequência, qualidade (impacto na disponibilidade de produto) e custo. Os scores foram obtidos por meio da ponderação dos pontos obtidos por cada risco em cada um desses critérios. O ranking ficou então: 1. Gestão de Estoques; 2. Falhas de Processo/Operação; 3. Qualidade; 4. Capabilidades de R&D; 5. Roubo; 6. Políticas de Governo; 7. Taxa de Câmbio; 8. Política de Precificação; 9. Propriedade Intelectual e 10. Regulação.
Em termos gerais, os riscos que obtiveram maior peso geral foram aqueles considerados sob controle direto dos gestores – que eles teriam influência direta para mitigar a chance de ocorrência e/ou impacto (exemplo, gestão de estoques e problemas de qualidade). Além disso, foram identificadas grandes diferenças na percepção de risco entre os diversos elos da cadeia (Quadro 2).
Na visão da Indústria, a maior ameaça para o funcionamento eficiente da cadeia é a questão das capabilidades de P&D. A indústria é um elo da cadeia que adota uma perspectiva mais financeira no momento de análise e também é o que mais investe no lançamento e comercialização de novas drogas. O Distribuidor, que também tem uma perspectiva mais voltada para o lado financeiro da análise de risco, aponta como maior ameaça a questão dos roubos de carga, pois é um dos elos mais diretamente afetados por desvios de carga na fase de distribuição. Já o Varejo adota uma visão mais voltada para qualidade/disponibilidade e aponta falhas no processo/operações como o grande problema. De acordo com os varejistas, as operações dependem de sistemas de informação integrados e corretamente alimentados, já que processos mal estruturados podem prejudicar todo o funcionamento do sistema. Finalmente, para o Comprador Institucional (hospitais e planos de saúde), a maior preocupação é com a gestão dos estoques. A não disponibilidade de medicamentos se traduz em tratamentos interrompidos, períodos mais longos de internação e compras emergenciais.
Quadro 2 – Percepção de risco dos diversos elos da cadeia de suprimentos da indústria farmacêutica
O estudo permitiu ter uma primeira visão dos desafios enfrentados pelos executivos do setor, assim como identificar as distintas percepções dos atores da cadeia de suprimentos farmacêutica sobre risco. Este é um primeiro passo para a formulação de planos de ação que visem mitigar os riscos para esse sistema, considerando a visão e experiência de seus principais atores.