O CESS/COPPEAD tem-se dedicado a investigar a eficiência e a redução de desperdício na saúde em diversos segmentos do setor: hospitais privados, serviços públicos de saúde; consultórios médicos; processo de doação-transplante de órgãos; unidades de terapia intensiva; disease management; medicines optimization; etc. Estes temas têm sido objeto de artigos acadêmicos, publicados em journals nacionais e internacionais, e de dissertações de mestrado, aplicando pesquisas qualitativas e diversos procedimentos estatísticos, como Análise Envoltória de Dados (DEA), TOPSIS e mapeamento de processos e de riscos.
Neste artigo técnico, os professores Rafael Paim, professor do Cefet/RJ e Pós-Doutor pelo CESS/COPPEAD, e Kleber Figueiredo, Professor Titular e Pesquisador do CESS/COPPEAD, discorrem sobre o lean healthcare.
Repensar como os serviços de saúde são oferecidos passa, sem dúvida, por procurar aumentar a efetividade do que é oferecido aos pacientes e para quem está saudável; passa por evocar o conceito de valor, entendido como a relação entre os resultados oferecidos aos clientes e os custos e investimentos necessários para produzir aqueles resultados. O “pensamento lean” tem como motivação a criação de valor e tem notável aplicação nos serviços de saúde:
- Resultados para os clientes: decorrem da prestação dos serviços necessários e seus desfechos ou impactos para os pacientes. Os resultados incluem a qualidade do atendimento, o interesse demonstrado nos problemas que o paciente está enfrentando, não deixar o cliente esperando desnecessariamente, não cancelar procedimentos, não pedir exames em excesso, etc.
- Custos e investimentos necessários para que o serviço seja prestado. Estes devem ser os menores possíveis, sem comprometer a qualidade dos resultados. Entende-se como custos, também, o esforço físico e psicológico de médicos, enfermeiros, pacientes e familiares durante todo o processo de prestação do serviço.
O caminho para buscar o aumento na diferença entre Resultados e Custos já foi encontrado por importantes instituições de Saúde, mediante emprego de iniciativas lean e outras práticas de melhoria. Entretanto, diferentemente de outros setores econômicos e sociais, na saúde a adoção do lean começou tardiamente e não tem sido comum haver áreas e profissionais dedicados a promover melhorias para aumentar o valor. Para a filosofia lean, há que se acreditar que a melhoria deve ser um pilar, uma parte fundamental, de um sistema de saúde. O NHS, por exemplo, possui 500 profissionais dedicados a promover melhorias em todo o sistema do Reino Unido. Quando há recursos dedicados a estimular profissionais a promoverem melhoria, vê-se o nascimento de uma cultura Lean. Esta mudança deve ser feita com método, seguindo princípios, capacitando os profissionais em conceitos e no uso de ferramentas, e deve ser feita com a flexibilidade que a complexidade da saúde exige.
O princípio básico do pensamento lean é a redução de perdas e desperdícios. Ele tem impacto tanto na “necessidade”, enfatizada na definição dos resultados para o paciente, como na redução dos custos e investimentos necessários para a prestação dos serviços.
Um exemplo para ilustrar a adoção do pensamento Lean em serviços de saúde pode ser o de um centro cirúrgico: se o centro cirúrgico produzir de forma segura mais cirurgias, com melhores desfechos, com tempos de internação menores, com menos esperas pelos profissionais (que conseguem, assim, produzir mais), e simultaneamente, com menos eventos adversos, condições adquiridas e readmissões, então, temos um centro cirúrgico que produz mais valor porque ao mesmo tempo ele está oferecendo melhores resultados e reduzindo custos pelo melhor aproveitamento do tempo dos profissionais envolvidos.
Assim, um centro cirúrgico lean procura aumentar de forma equilibrada a segurança, agilidade, rentabilidade (ou, no caso de governo, o resultado para não colocar em risco pacientes por falta de orçamento), o giro, a efetividade, a confiança que os recursos estarão disponíveis de forma correta e completa para as cirurgias agendadas, e, por outro lado, quer reduzir readmissões (retrabalho), cancelamentos, atrasos, stress, não conformidades (retrabalho e processamento incorreto), mortalidade (desfecho desfavorável, se por condição adquirida). Consequentemente, melhorará o mix de cirurgias, o clima entre as equipes, a satisfação de pacientes e profissionais, o reconhecimento pelo trabalho bem feito e a margem para acionistas ou para o gestor público realizar melhorias e investimentos necessários.
Originalmente desenvolvidos no setor industrial, os conceitos relacionados com o pensamento Lean identificam sete fontes de perdas e desperdícios. Todas elas atuam ou para diminuir os resultados e/ou para aumentar os custos e investimentos necessários, destruindo valor. Ao considerar as peculiaridades dos serviços de saúde, estas sete possíveis fontes podem ser identificadas. As práticas lean procuram atuar na redução de tais perdas:
1 – Perdas por esperas ou falta de sincronização entre as atividades – elas resultam em desperdício do recurso tempo, tanto dos profissionais de saúde, dos equipamentos e dos pacientes. Ninguém gosta de esperar para poder atender, ninguém gosta de esperar para ser atendido. Quanto tempo é perdido entre o momento em que um cliente desocupa um leito e este leito ser ocupado por outro paciente? Quanto tempo é preciso esperar por medicamentos ou resultados de exames?
2 – Perdas por erros, por retrabalho, por não conformidades com as especificações – elas ocorrem por uma série de fatores: desatenção, especificações mal comunicadas, distrações, não obediência a protocolos, etc. Prescrever ou ministrar medicamentos por engano ou na dose errada; ter que começar a trabalhar com materiais cirúrgicos incompletos ou ter altas taxas de glosas, pacientes que se acidentam, são exemplos que resultam em aumento de custos no sentido amplo, conforme foi mencionado há pouco ao definirmos valor.
3 – Perdas por fazer mais do que é necessário – Conhecida como Superprodução, estas perdas ficam caracterizadas, por exemplo, quando são realizados mais procedimentos do que os requeridos pelo protocolo científico, quando são exigidos mais exames do que os necessários, quando os pacientes precisam passar por procedimentos que implicam riscos ou custos, sem real necessidade. Também há perdas desnecessárias de recursos quando se ministra uma droga em maior quantidade ou por mais tempo, quando se faz uma programação da equipe maior que a necessária. Nenhum profissional deveria perder tempo conferindo e verificando o trabalho realizado pela etapa anterior. Não deveria perder tempo preenchendo 20 campos de um formulário se apenas 10 são necessários. Não deveria perder tempo alternando 10 telas do Tasy ou do MV para concluir uma digitação no sistema se toda esta informação pudesse estar em uma só tela ou pré-preenchida ou mesmo se pudesse ser coletada automaticamente.
4 – Perdas por excesso de transporte ou por movimentação de profissionais para executar suas tarefas – O desejável é que materiais, informações, medicamentos e, em especial, os pacientes, sejam transportados o menos possível dentro das ou entre as unidades de saúde. Entretanto, o que se vê na prática é que os pacientes, os profissionais de saúde, os gestores andam, sem necessidade, enormes distâncias todos os dias. Já foi medido que uma enfermeira comumente anda mais de 5 quilômetros por dia dentro de um hospital. Basta ativar o contador de passos no smartphone para constatar este fato. Transportes e movimentos desnecessários geram perda de tempo e, portanto, consumo de recursos que não criam valor. É preciso planejar os fluxos dentro do hospital, procurando fazer com que os profissionais façam menos movimentos em seus postos de trabalho, que gastem menos tempo de preparação para iniciar o trabalho, pois tudo que é necessário para tal está disponível e próximo.
5 – Perdas por Estoques, a mais ou a menos. Para muitos gestores este é o principal desperdício em um hospital e, por esta razão, o tema mais estudado no campo da logística hospitalar. Compras mal planejadas levam tanto a ter estoque a mais como faltas em estoque. É preciso ter em estoque somente o que vai ser usado em determinado período de tempo. É preciso ter estoque para não colocar ninguém em risco por falta de medicamentos ou de qualquer material, mas é preciso apenas o suficiente. Estoques a mais não geram valor, pelo contrário; no caso de medicamentos correm o risco de serem descartados por validade expirada, aumentando custos. Estoques ocupam espaço (um recurso) e mantém o dinheiro “empatado”, encarecendo o sistema de saúde. Por outro lado, a falta também não é desejável, que um paciente fique sem seu medicamento, ou que um cirurgião não tenha os recursos que precisa para o sucesso de seu trabalho. Entretanto, estoque a mais não é garantia de não falta. Pelo contrário, pesquisas mostram que onde há estoque demais por falta de organização, esta desorganização conduz a frequentes rupturas de estoques. Para que ter duas hemodinâmicas, quando a taxa de ocupação das duas somadas está abaixo de 20%? Por que ter nove salas ativadas e de prontidão em um centro cirúrgico, se a experiência mostra que quatro seriam suficientes para aquele dia e horário. Deve-se sim, ter flexibilidade para que estejam prontas para serem ativadas rapidamente se a demanda aumentar diante de uma emergência.
6 – Perdas de Ideias e Perdas por subcompetência. É muito comum o desperdício com o potencial humano: não se deve perder ideias e nem alocar profissionais sem as competências necessárias. Não é desejável que profissionais superqualificados, especializados, realizem tarefas muito simples que poderiam ser transferidas para outro profissional menos caro. É preciso verificar, então, o que as pessoas estão fazendo. Se um enfermeiro está se deslocando para ir buscar um medicamento, quando poderia estar focado na assistência, ele está destruindo valor. Parte do tempo das pessoas deveria ser dedicada à geração de ideias de melhorias nos processos. São precisamente as pessoas envolvidas com os processos a principal fonte de ideias, independentemente do trabalho mais ou menos complexo que realizam. É preciso ouvi-las com humildade. Por outro lado, não é desejável trabalhar com competências abaixo das requeridas. Seu desempenho pode gerar insegurança nos que dependem das tarefas por ela realizadas, levando a retrabalhos ou verificações desnecessárias.
7 – Perdas e Desperdícios de recursos naturais e de infraestrutura. É desejável um mundo e um serviço de saúde mais sustentável. Não se deve usar mais espaço, mais energia elétrica, mais área, mais equipamentos e mais recursos em geral. Com menos é possível prestar e receber o melhor serviço de saúde possível? Uma sala cirúrgica precisa ficar com todos os equipamentos ligados se não está em uso? As áreas de espera precisam ser tão grandes? É possível manter o hospital limpo com menor consumo de água?
Certamente, estudar as perdas por espera é uma das formas mais fáceis para começar a desenvolver as ideias para a adoção das práticas lean. Outra iniciativa simples é analisar os transportes e movimentações. É possível que elas sejam decorrentes do layout inicial e que com tantas modificações na forma de trabalhar já não é o ideal. Recolher ideias sobre como reduzir as perdas é o caminho. Não pode haver medo de dar ideias para resolver um problema que está ali há muitos anos. Não apresentar ideias significa manter erros e retrabalhos. É preciso refletir sobre as relações entre as perdas. Será um ótimo caminho para criar mais valor nos serviços de saúde. Trabalhem juntos, integrados, como uma equipe. Será bom, muito bom.