[Opinião de Especialista] Proposta de um Modelo de Avaliação de Tecnologia em Saúde para Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)

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Opinião: Denizar Vianna,  Professor Associado da Faculdade de Medicina da UERJ 

A incorporação acrítica de novas tecnologias em saúde e o envelhecimento populacional são determinantes na elevação dos custos no Sistema Suplementar de Saúde Brasileiro.

As agências de avaliação de tecnologia em saúde tornaram-se atores relevantes para regular a incorporação, com predomínio nos sistemas universais de cobertura de saúde, onde o governo é o único pagador pelos insumos e serviços.

O cenário da Saúde Suplementar no Brasil tem peculiaridades que exigem um desenho específico para o processo de avaliação, em função da heterogeneidade das operadoras de planos de saúde. Por exemplo, as operadoras têm modelos assistenciais e portes diferentes, onde uma mesma tecnologia incorporada terá impacto diferente nos orçamentos das operadoras. Torna-se necessário delinear um modelo de avaliação de tecnologia que contemple estas especificidades.

As etapas iniciais da avaliação de tecnologia em saúde são definidas como a análise crítica de uma síntese da literatura sobre eficácia, segurança, efetividade, custo-efetividade e impacto orçamentário da nova tecnologia versus a tecnologia existente. Este passo-a-passo é crítico para um modelo de avaliação de tecnologia da Saúde Suplementar. Além destas análises há necessidade de incluir outros critérios para o processo decisório, para garantir acesso dos beneficiários, com qualidade assistencial e de maneira sustentável para o Sistema.

Os alicerces propostos de um modelo para ANS são os seguintes:

  • Definir prioridades pela carga de doença da população assistida, pelas necessidades de saúde não atendidas e monitoramento do horizonte tecnológico.

Recursos são finitos, por isso há necessidade de priorização no uso dos mesmos. A comunidade acadêmica produziu na última década estimativas da carga das doenças na população brasileira (prevalência, incidência, morbi-mortalidade e custos) e descrições de necessidades de saúde não atendidas que permitem ao formulador de políticas de saúde planejar e escalonar as tecnologias que deverão ser incorporadas no médio prazo (5 anos).

O câncer é um bom estudo de caso para exemplificar a necessidade de priorização. Aproximadamente 596 mil pessoas foram diagnosticadas com câncer no Brasil em 2016[1]. O câncer é a segunda causa de óbito no Brasil, com 200 mil mortes em todas as idades, a cada ano[2].

O câncer de pulmão representa a maior mortalidade no Brasil com 24.490 óbitos em 2013[3]. Estudo realizado em pacientes da Saúde Suplementar demonstrou que a maioria dos pacientes com câncer de pulmão foi diagnosticada tardiamente, em estágios avançados da doença (79,6% em estágios III/IV). A sobrevida global foi de 19,0 meses (95%IC 16,2 – 21,8)[4]. Esta fotografia do câncer de pulmão na Saúde Suplementar revela a necessidade de aperfeiçoamento na linha de cuidado deste tumor, para obter melhores desfechos clínicos.

Para planejar a incorporação racional das tecnologias que surgirão no médio prazo é necessário realizar o monitoramento do horizonte tecnológico (horizon scanning), que é uma área do conhecimento que permite a prospecção das tecnologias que estarão disponíveis no futuro próximo.

A sociedade médica de especialidade deve ser protagonista neste desenho de política de avaliação de tecnologia. As sociedades médicas devem desempenhar papel fundamental e responsável nas propostas de incorporação de novas tecnologias, ao atuarem na interface com as indústrias de insumos de saúde para identificar e validar as prioridades no médio prazo.

  • Propor orçamentos pré-definidos para os grupos de doenças, com base na estimativa da carga de doença e taxa de crescimento anual do custo do tratamento.

O planejamento das incorporações dentro de um orçamento pré-definido para os grupos de doenças, com base nas estimativas do custo da doença e da taxa de crescimento anual do custo do diagnóstico e tratamento permite maior ordenação do processo. Orçamentos pré-definidos auxiliam também o processo de priorização e disciplinam o passo-a-passo das incorporações, com planejamento em períodos de 5 anos.

Por exemplo, uma estimativa conservadora de gasto total com a assistência ao câncer no Sistema Suplementar de Saúde em 2015 foi de R$9.2 bilhões[5] (Intl $ 5,7 bilhões[*]).

  • Instituir modelos de compartilhamento de risco entre operadoras de planos de saúde e as indústrias farmacêuticas e de materiais médicos.

A discussão sobre a necessidade de mudança do modelo de remuneração na saúde é recorrente e exaustiva. O desenho de um modelo de avaliação de tecnologia deverá implantar acordos de compartilhamento de risco entre operadoras de planos de saúde e as indústrias farmacêuticas e de materiais médicos. Estes acordos já são realidades em outros países e permitirão compartilhar responsabilidades entre produtores e pagadores para garantir incorporação da tecnologia, com sustentabilidade para o sistema.

Durante a última década, os gastos com medicamentos aumentaram rapidamente e sobrecarregam mais do que outros componentes dos custos de cuidados de saúde, em muitos países europeus e nos Estados Unidos[6]. O cuidado ao paciente com câncer é um dos campos em que as despesas aumentaram mais rapidamente, com crescimento de até 21% ao ano na última década[7], devido à introdução de novas terapias de alto custo, juntamente com o aumento da prevalência de câncer[8].

Este cenário incentivou pagadores a adotar acordos baseados em desempenho, que forneçam um reembolso ex post com base na eficácia dos tratamentos e/ou questões de segurança.

A Itália é um exemplo exitoso que adotou a chamada “taxa de sucesso”, que representa uma estratégia efetiva para promover preços baseados em valor, disponibilizando aos pacientes um acesso rápido a terapias inovadoras e dispendiosas, com um impacto acessível nas despesas com medicamentos e, simultaneamente, garantindo que os pagadores compartilhem com os fabricantes o risco decorrente de incertezas de eficácia e segurança[9].

O Financiamento do Sistema Suplementar de Saúde Brasileiro está sob stress, em decorrência da redução no nº de beneficiários, envelhecimento populacional e pressão para incorporação de novas tecnologias. Há necessidade de adoção de novo modelo de avaliação de tecnologia em saúde para enfrentar o desafio de prover acesso, com qualidade, de maneira custo-efetiva.

[*] Custos brasileiros foram convertidos para dólar norte-americano durante a análise usando uma paridade do poder de compra base: (PPP 2015: US$ 1 = R$ 1.6) disponível em: http://data.worldbank.org/indicator/PA.NUS.PPPC.RF

 

Referências:

[1] Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Coordenação de Prevenção e Vigilância. Estimativa 2016: incidência de câncer no Brasil / Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva – Rio de Janeiro: INCA, 2015. 122 p.: il. color. ISBN 978-85-7318-283-5 (versão eletrônica)

[2] Barbosa, Isabelle R. et al. “Cancer Mortality in Brazil: Temporal Trends and Predictions for the Year 2030.” Ed. Simona Gurzu. Medicine 94.16 (2015): e746. PMC. Web. 16 June 2017.

[3] Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva.  Available in: http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/tiposdecancer/site/home/pulmao

[4] Araujo LHL et al. Survival and prognostic factors in patients with Non-Small Cell Lung Cancer treated in the private health care. Rev Bras Epidemiol 2014; 17(4): 1001-1014.  DOI: 10.1590/1809-4503201400040017

[5] Siqueira ASE. Análise do impacto econômico do câncer no sistema de saúde no Brasil: modelo baseado em banco de dados públicos. Tese (doutorado) – UFRJ, Faculdade de Medicina, Programa de Pós-Graduação em Clínica Médica, 2016.

[6] Adamski J et al. Risk sharing arrangements for pharmaceuticals: potential considerations and recommendations for European payers. BMC Health Serv Res 2010;10:153.

[7] McCabe C et al. Market and patient access to new oncology products in Europe: a current, multidisciplinary perspective. Ann Oncol 2009;20:403–12.

[8] Reeder CE, Gordon D. Managing oncology costs. Am J Manag Care 2006;12(Suppl.):S3–16; quiz S17–9.

[9] Navarria A et al. Do the Current Performance-Based Schemes in Italy Really Work? “Success Fee:” A Novel Measure for Cost-Containment of Drug Expenditure. Value in Health. 2015.18(1):131–136

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