Servitização na Saúde

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por Professor Eduardo Raupp, do Instituto COPPEAD de Administração da UFRJ e Pesquisador Sênior do CESS/COPPEAD

O crescimento dos serviços e sua importância na dinâmica da inovação têm extrapolado os limites setoriais tradicionais e influenciado o desenvolvimento também dos outros setores da economia. Cada vez mais os serviços estão na raiz das vantagens competitivas de atividades ligadas ao agronegócio, à construção civil e à indústria em geral, com destaque para a indústria manufatureira, onde boa parte do faturamento já advém de atividades de serviços: este fenômeno tem sido chamado de servitização (GLOUEK; KOUDAL; VAESSEN, 2007; BAINES et al, 2009).

A servitização não é um termo novo na literatura acadêmica. Mesmo assim, é ainda um conceito pouco difundido e, muitas vezes, o que é pior, confundido.  O primeiro registro de uma definição de servitização é atribuído a Vandermerwe e Rada (1988). Mais recentemente, Baines e Lightfoot (2013) propuseram que a servitização fosse compreendida como um processo, por meio do qual há criação de valor a partir da adição de serviços a produtos.

Em diferentes setores, submetidos a diferentes cenários competitivos, as oportunidades de servitização também são heterogêneas. Via de regra, afirma-se que há três níveis de servitização: um nível básico, caracterizado pela adição de serviços aos produtos como complementos a esta oferta; um nível intermediário, onde o produto torna-se uma plataforma para a oferta de serviços, estando nos serviços o foco da diferenciação; e, finalmente, o nível avançado, quando os serviços não só são o foco, como os produtos tornam-se complementos da oferta de serviços. Na saúde, a servitização também tem ocupado espaço em novos modelos de negócio da indústria de equipamentos médico-hospitalares e na indústria farmacêutica.

Em pesquisas do CESS, pudemos identificar movimentos importantes nesta direção. Na indústria de equipamentos médico-hospitalares, PEREIRA (2018) e KOOPSTRA (2017) demonstraram como novas tecnologias tem permitido associar serviços aos equipamentos e permitido que empresas que antes focavam na venda de produtos, passem a oferecer serviços. Ao invés de vender equipamentos de diagnóstico, oferta-se o exame. Equipamentos cada vez mais inteligentes – com uso da internet das coisas e da inteligência artificial – fornecem serviços que ajudam o monitoramento da vida e tratamentos crônicos. Produtores de equipamentos têm também avançado na prestação direta de serviços ou por meio de parcerias de maneira a assegurar serviços de alto nível (KRAEMER, 2018).

Na indústria farmacêutica, a concorrência dos genéricos e o alto custo da pesquisa para novos medicamentos têm apontado os serviços como uma importante alternativa concorrencial. LEITE JR (2016) demonstrou como a oferta de diferentes serviços – de programas de fidelidade e desconto a orientações sobre o tratamento de doenças crônicas – pode contribuir para a fidelização do cliente à marca, reduzindo os efeitos da “comoditização” provocada pelos genéricos.

O que explica a opção por uma estratégia baseada em serviços em empresas manufatureiras? De maneira geral, três grandes determinantes são observados: financeiros, estratégicos e de marketing.

Do ponto de vista financeiro, a servitização traz dois grandes atrativos. Primeiro, ofertas baseadas em serviços tendem a oferecer taxa de lucro mais alta. Segundo, elas provêm maior estabilidade na receita, uma vez que contratos de serviços tendem a ser de prazo mais longo e possibilitam um relacionamento mais extenso com os clientes do que a pontualidade de uma compra. Do ponto de vista estratégico, a servitização permite a construção de um importante diferencial na busca de vantagens competitivas sustentáveis. Boa parte deste potencial é atribuído à superação da chamada “armadilha da commodity”. Em muitos setores da indústria manufatureira, a intensa competitividade levou concorrentes a apresentarem níveis de capacidade técnica e de performance de produtos muito similares. Nestas situações, o diferencial competitivo acaba recaindo tão somente nos preços, com resultados nefastos para os concorrentes envolvidos. Os serviços permitem um diferencial importante que se sustenta em grande medida no intenso relacionamento com os clientes. É daí que advém o terceiro determinante da servitização: seus benefícios em termos de marketing. As relações de serviço advindas destes processos influenciam a decisão de compra dos clientes e, talvez o mais importante, ampliam a lealdade do consumidor. A satisfação com bons serviços e a incerteza de encontrá-los em outro ofertante, tornam os clientes receptivos a relacionamentos de longo prazo onde o preço deixa de ser o principal elemento na tomada de decisão.

Mas a servitização não é um processo isento de erros, de dificuldades, de problemas. Nem mesmo uma panaceia para a vitória definitiva no cenário competitivo. As características inerentes aos serviços colocam uma séria de desafios culturais e corporativos que, muitas vezes, podem ser intransponíveis. Do ponto de vista dos projetos de produtos e serviços, a servitização traz a exigência de um design integrado, centrado no papel do cliente como usuário desta oferta integrada, o que não é trivial. Do ponto de vista estratégico, adentrar em um processo de servitização é enfrentar um processo de mudança organizacional, onde os choques com o status quo são inevitáveis e quando até mesmo mudanças nas pessoas são necessárias.

BLOCKER (2017), também em pesquisa realizada no CESS, demonstrou como a estratégia de servitização passa necessariamente por uma mudança cultural e na gestão das pessoas, de forma que uma empresa industrial possa enfrentar os desafios do mundo dos serviços.  Estas dificuldades, por vezes, levam a um atraso nos resultados esperados e ao abandono da estratégia de servitização precocemente. Gebauer e Friedl (2005) definiram esta situação como o “paradoxo dos serviços”.

Assim, para atingir o sucesso em processos de servitização pode-se dizer que há três grandes desafios para uma empresa manufatureira:

  • Enfrentar as mudanças necessárias na sua cultura organizacional
  • Mudar radicalmente a comunicação com seus clientes
  • Desenvolver competências para identificar tarefas que seus clientes estejam realizando, ou buscando realizar

 

REFERÊNCIAS

BAINES, T. S.; LIGHTFOOT, H. W.; BENEDETTINI, O.; KAY, J. M. The servitization of manufacturing: A review of literature and reflection on future challenges. Journal of Manufacturing Technology Management, v. 20, n. 5, p. 547–567, 2009.

BAINES, T. S.; LIGHTFOOT, H. W. Made to serve : how manufactures can compete through servitization and product-service systems. London : Wiley, 2013.

BLOCKER, Andrea (2017). Readiness to servitize : analysis of a pharmaceutical company. Dissertação de Mestrado, CESS/COPPEAD.

GEBAUER, H.; FRIEDLI, T. Behavioral implications of the transition process from products to services. Journal of Business & Industrial Marketing, v. 20, n. 2, p. 70–78, 2005.

GLOUEK, J. J.; KOUDAL, P.; VAESSEN, W. (2007). The service revolution: Manufacturing´s missing crown jewel. Delloite Review. p. 22-33.

HERTOG, P. DEN; AA, W. VAN DER; JONG, M. W. DE. Capabilities for managing service innovation: towards a conceptual framework. Journal of Service Management, v. 21, n. 4, p. 490–514, 2010.

KOOPSTRA, Albert (2017) An analysis of servitization in the Brazilian medical equipement industry. Dissertação de Mestrado, CESS/COPPEAD.

KREMER, Florian (2018). The user-supplier relationship during servitization. Dissertação de Mestrado em elaboração, CESS/COPPEAD.

LEITE JR, Paulo (2016). Influência da adoção de serviços no valor percebido pelo consumidor da indústria farmacêutica. Dissertação de Mestrado, CESS/COPPEAD.

PEREIRA, Jeanne (2018). Capacidades dinâmicas de servitização : uma investigação nas empresas de equipamentos médico-hospitalares e odontológicos. Tese de Doutorado, CESS/COPPEAD.

VANDERMERWE, S.; RADA, J. Servitization of business: Adding value by adding services. European Management Journal, v. 6, n. 4, p. 314–324, 1988.

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