Ronald Munk é economista e foi presidente da RioSaúde.
Depois de atuar por mais de 30 anos em uma empresa internacional de consultoria, fui convidado a trabalhar na Prefeitura do Rio em 2013. O desafio foi construir uma Empresa Pública de Saúde, a RioSaúde.
Na saúde, convivem hábitos e instituições seculares com tecnologias sofisticadas, gestão do século passado com pesquisa de ponta, aumento de custos e demanda com redução de recursos. A sociedade pede por mudanças – afinal, este é o serviço pior avaliado há anos pela população. Muitos falam que mudanças são necessárias, mas poucos são os que realmente querem mudar, sair do status quo, incluindo aí o cidadão, protagonista da sua própria saúde.
Muitos argumentam que na saúde é diferente: a vida não tem preço, por isso o custo não é importante; hospital não é fabrica, portanto não é possível utilizar fórmulas de sucesso usadas em outros setores, entre outras objeções dos que não querem mudar.
Como então fazer mais com menos? E como melhorar rapidamente face à situação muitas vezes calamitosa que observamos na saúde pública? Acreditamos que, do ponto de vista operacional, isso é possível e a experiência da RioSaúde mostra alguns caminhos.
A RioSaúde assumiu, desde 2014, três Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), uma Emergência Ambulatorial Pré-hospitalar (CER) e um Complexo Hospitalar. São mais de dois mil colaboradores e dois milhões de pacientes atendidos entre o final de 2014 e o primeiro semestre de 2018.
Verificamos na prática que conceitos básicos de gestão, ainda pouco disseminados na saúde, podem ser implantados com resultados rápidos e muito positivos: eliminar o que não contribui efetivamente no processo de tratamento do paciente – desperdício de insumos, tempo e recursos financeiros; padronizar a operação em todas as unidades através de processos assistenciais, operacionais e de suporte e melhorá-los constantemente; padronizar e reduzir a grade de medicamentos e materiais, simplificando o processo de compras e de logística e reduzindo custos; utilizar intensamente sistemas de informação para facilitar o trabalho conforme os processos; usar algoritmos matemáticos adotados em operações aeroportuárias para otimizar a produção do centro cirúrgico e melhorar a qualidade do serviço prestado.
Estas são algumas práticas utilizadas na RioSaúde e sistematizadas em um modelo de gestão denominado Modelo de Gestão 3×3, que define três ações para cada um dos seus três pilares, quais sejam: o norte da empresa, ou seja, sua estratégia; a cultura organizacional, que deve orientar o comportamento dos colaboradores e terceiros; e as ferramentas de gestão utilizadas para alcançar as metas almejadas.
A busca por fazer mais e melhor com menos recursos não pode ser baseada somente em ferramentas de gestão. Se não houver mudança na cultura organizacional associada a uma mudança de atitude dos colaboradores, os resultados não aparecem na velocidade requerida e não se sustentam.
Procuramos implantar na RioSaúde uma cultura organizacional baseada em conceitos como: atitude de dono, melhoria contínua e redução de custos. Melhores práticas, tanto assistenciais quanto de suporte, são compartilhadas através de treinamento. Os resultados são medidos, divulgados e discutidos regularmente com os colaboradores. Incentiva-se um espírito de competição positiva entre as unidades e existe um sistema de bonificação monetária por performance da unidade e do indivíduo. As soluções de melhoria são alinhadas em grupos de profissionais, onde todas as categorias têm voz de forma colaborativa.
A transformação cultural é sempre um desafio árduo. Na saúde, existem situações específicas que tornam a mudança comportamental ainda mais complexa do que em outras áreas.
Uma questão é a do médico gestor. Salvo exceções, médicos são empurrados para assumirem responsabilidades de gestor sem o devido preparo e muitas vezes sem a experiência que o cargo demanda. Gerir é uma atividade coletiva e médicos são treinados para exercer suas responsabilidades de forma individual. Em muitas situações, a organização perde um bom profissional médico e ganha um mau gestor. A cultura de comando e controle com clara segregação das categorias profissionais em castas não favorece o foco no melhor desfecho para o paciente. O que se observa nas melhores organizações, estabelecidas ou startups, é uma cultura colaborativa onde todos participam para atingir os objetivos.
O plantonismo é uma outra prática que não contribui para fazer mais com menos e ter o paciente como elemento central do sistema. A resolubilidade é afetada negativamente e os custos aumentam quando um paciente é atendido por inúmeros profissionais durante seu tratamento.
Mudar questões comportamentais como as mencionadas acima demanda um alto grau de resiliência e exige tempo. No entanto, é importante começar e acreditar que os bons resultados ajudarão a acelerar o processo de mudança.
Os indicadores medidos na RioSaúde não deixam dúvida de que este modelo tem alto impacto positivo e rápido. Em Rocha Miranda, a UPA que mais atende hoje no município do Rio, o tempo de espera – indicador mais relevante em emergências – caiu 60%. Na unidade de emergência ambulatorial do Hospital Lourenço Jorge, a taxa de mortalidade diminuiu 57%; na UPA de Senador Camará, o número de pacientes atendidos dobrou. A pesquisa de satisfação realizada através de totens nas unidades e entrevistas qualitativas indica que mais de 89% dos pacientes recomendam essas unidades para seus familiares e amigos. A gestão focada em custos conseguiu economizar em verbas públicas o equivalente a 10 meses do custo de operação de uma UPA, mesmo com importantes investimentos realizados nas instalações e em equipamentos.
Quatro meses após a RioSaúde ter assumido a gestão do Complexo Hospitalar Rocha Faria, as internações aumentaram 60% e a taxa de mortalidade < 24 hs diminuiu de 12,3% em março, para 2,5% em julho. A utilização de espaços foi reorganizada para melhorar os fluxos de pacientes e a distribuição de insumos. Por exemplo, os pacientes e acompanhantes agora percorrem metade da distância que antes percorriam para ir do consultório até a sala de medicação. Em 30 dias foi implantado um sistema de prontuário eletrônico integrado com o centro de imagens e laboratório, que é utilizado por todos os 950 funcionários. Esses resultados foram obtidos com os mesmos colaboradores que lá trabalhavam na administração anterior.
Em tempos de lava-jato, também é preciso redobrar o foco em compliance, em especial tratando-se de uma empresa pública. Pelo segundo ano consecutivo, a RioSaúde obteve nota 10 nas auditorias feitas pela controladoria geral do município.
Melhoria na gestão e mudança de comportamento certamente não são os únicos remédios para colocar a saúde pública do Brasil nos trilhos. Rediscutir e atualizar o modelo do SUS após 30 anos do seu desenho, fortalecer a saúde primária, disponibilizar e integrar informações de saúde do cidadão são ações fundamentais, mas complexas, demorando a produzir impactos relevantes. A saúde é de longe o serviço público pior avaliado pela população. É necessário e urgente fazer algo que reverta o ciclo vicioso em que está mergulhada a saúde pública.
Acreditamos que a experiência da RioSaúde merece ser estudada, melhorada e ampliada. São soluções práticas e simples com resultados comprovados.