O que leva os hospitais brasileiros a buscar a acreditação?
As instituições hospitalares têm enfrentado pressões cada vez maiores para reduzir custos e melhorar a qualidade dos serviços oferecidos à sociedade, e a acreditação tem sido vista pelos gestores como um dos meios de se alcançar esses resultados. Em geral, pode-se afirmar que há quatro grandes motivadores para os hospitais buscarem a acreditação:
- Melhoria dos processos;
- Reconhecimento do hospital (imagem);
- Avaliação mais objetiva da qualidade;
- Pressões competitivas.
Em relação à melhoria de processos, a acreditação pode gerar uma padronização benéfica dos processos, tornando-os mais ágeis, reduzindo o retrabalho e os custos das operações como um todo. Alguns estudos mostram que a acreditação acaba provocando mudança na cultura do hospital, passando a estimular a ideia de estabelecimento de padrões, ciclos de melhoria contínua e uso de indicadores, o que, por sua vez, reduz erros médicos, que é uma das maiores preocupações das instituições hospitalares hoje em dia.
A acreditação representa, ainda, um “selo” de qualidade, favorecendo o reconhecimento do hospital junto à sociedade: seria uma forma de “tangibilizar” a qualidade dos serviços prestados pela instituição. Além disso, a acreditação representa uma forma de avaliar objetivamente a qualidade do hospital e possibilita a comparação com seus pares. E, como a avaliação é feita por entidades externas, há maior credibilidade.
Os hospitais podem ainda buscar a acreditação por pressões competitivas do tipo “todos os meus concorrentes estão buscando”. Por se tratar de um reconhecimento da qualidade da organização de saúde, a acreditação é muitas vezes vista como uma ferramenta de marketing, capaz de atrair clientes e profissionais de renome no mercado, além de melhorar o relacionamento com os planos de saúde.
Apesar dos benefícios potenciais, em muitos hospitais a acreditação é vista como um processo muito burocrático e ineficiente, incapaz de melhorar os indicadores de qualidade dos hospitais. Além disso, ainda não há consenso de que a acreditação seja valorizada por pacientes e familiares, e tampouco que tenha o poder de aumentar o poder de barganha com as operadoras de planos de saúde.
Em 2010, Instituto Coppead de Administração, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, realizou uma pesquisa junto a 101 hospitais no Brasil, com o objetivo de identificar os principais motivadores para buscar a acreditação. A pesquisa focou em hospitais que possuíam, ou estavam em processo de acreditação (já receberam a visita dos avaliadores e caíram em exigência), em relação a alguma das seguintes acreditações: ONA (Organização Nacional de Acreditação), Joint Commission International (JCI) ou Canadense. Dos 154 hospitais do Brasil que possuíam acreditação ou estavam em processo em 2010, 101 participaram da pesquisa.
Os resultados apontaram que, para 71% dos respondentes, o principal motivo para buscar a acreditação foi a “melhoria dos processos”. “Reconhecimento do hospital” foi o principal motivo para 15% dos respondentes, seguido por “avaliação objetiva da qualidade” (11%). “Pressões competitivas” foi o principal motivo para apenas 2% dos que participaram da pesquisa e 1% não responderam (vide Figura 1). Estes resultados são compatíveis com a realidade dos hospitais que atuam no Brasil, os quais se encontram ainda em fase inicial de profissionalização de sua gestão e, portanto, em busca da eficiência dos processos.
Figura 1
Numa escala de 1 a 5, em que 1 significava “discordo totalmente” e 5 “concordo plenamente”, os resultados indicaram que “aumentar a segurança do paciente” é o principal motivador dos hospitais que buscam a acreditação (média 4,98), seguida de perto por “estimular a eficiência no atendimento ao paciente” (média 4,95). Os 10 principais motivadores estão apresentados na Figura 2 a seguir:
Figura 2
Estes resultados ressaltam a grande preocupação atual das entidades hospitalares: a preocupação com a segurança do paciente. A judicialização da saúde é um dos fatores que reforça esta preocupação e tem merecido bastante atenção e investimento dos hospitais.
Com o objetivo de verificar se há diferenças significativas quanto aos motivadores para a busca da acreditação por região do Brasil, foram agregados os resultados das regiões Sul e Sudeste (S/SE), assim como os das regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste (N/NE/CO). A Figura 3 a seguir apresenta os cinco itens com as maiores médias para cada uma dessas regiões, ou seja, os itens que representaram os maiores motivadores para a busca de acreditação hospitalar.
Figura 3
Como é possível observar, os principais motivadores elencados pelos hospitais da região S/SE pesquisados são: melhorar o atendimento ao paciente, provendo maior segurança e eficiência no atendimento, desenvolver a cultura da mensuração no hospital, avaliar objetivamente o desempenho da instituição e estimular a cultura da qualidade na organização. Para o grupo de respondentes da região N/NE/CO, quatro motivadores obtiverem média máxima: racionalizar a utilização dos recursos, aumentar a eficiência no atendimento ao paciente, aumentar a segurança do paciente e estimular a cultura da qualidade na organização.
Observa-se, portanto, que três dos principais fatores elencados pelos hospitais da região N/NE/CO também apareceram entre os cinco principais citados na região S/SE: aumentar a eficiência no atendimento ao paciente, aumentar a segurança do paciente e estimular a cultura de qualidade na organização.
Os resultados desta pesquisa são importantes por deixar claro que os hospitais que atuam no Brasil, seja na região N/NE/CO ou na região S/SE, estão ainda em estágio embrionário de gestão, almejando alcançar, através da acreditação, aspectos básicos como segurança e eficiência no atendimento ao paciente.
Relevante também observar que a acreditação representa para os hospitais pesquisados uma forma de “estimular a cultura da qualidade”, ou seja, surge como um dos primeiros passos em direção à busca da qualidade e não como o resultado de um processo de amadurecimento da instituição no longo caminho da qualidade e que culminariam em uma certificação. Será, então, que a acreditação é o melhor “remédio” para os “sintomas” apresentados pelos hospitais? Será que a acreditação não é uma “medicação” muito “pesada” para o estado atual dos hospitais? Talvez por isso alguns hospitais a enxerguem como um processo burocrático e ineficiente, incapaz de melhorar os indicadores de qualidade dos hospitais: simplesmente porque não deram ainda os primeiros passos em gestão da qualidade e depositam nesta certificação esperanças irreais para a melhoria de seus problemas.
Não seria melhor “arrumar primeiro a casa” e preparar a organização para um estágio de amadurecimento em gestão compatível com a complexidade da acreditação hospitalar? Vale a pena esta reflexão…
Profa. Claudia Araujo
Professora COPPEAD/UFRJ
Coordenadora do Coppead Gestão em Saúde
Pesquisadora Centro de Estudos em Gestão de Serviços de Saúde – CESS/COPPEAD/UFRJ
Chefe da Área de Operações Tecnologia e Logística