Por Rafael Paim*
Ontem estive no enterro de Francisco Neto de Assis, fundador da Adote*, da qual agora estou presidente. Hoje li a entrevista com Joel de Andrade para a Coppead/UFRJ, sobre o trabalho que virou referência nacional e internacional, com profundas mudanças na Gestão da Doação para fins de Transplantes. Escrevo sobre a forte, e não intuitiva, relação entre o pesar, a esperança e a gestão.
Francisco morreu ainda muito ativo. Foi uma pessoa em vida muito especial, não só por ter fundado a Adote em meio a luta, como foi a minha, pela vida do filho que estava na fila de transplantes, há quase 20 anos atrás. Mas porque foi alguém que contribuiu muito para a sociedade com ações profissionais desde a realização campanhas informativas, eventos educativos, até pesquisas sobre a favorabilidade da população em relação a doação de órgãos. Foi um ser humano ímpar, como pai, avô, amigo. Foi capaz de unir pessoas, de inspirá-las, fosse cozinhando em sua casa fosse organizado um feijoada beneficente.
Sua passagem é análoga ao momento difícil que uma família vive quando perde alguém e exerce o direito de doar os órgãos de quem ama: “por um lado está ali com imenso pesar pela perda de alguém muito especial e, ““por outro, está com fé, com esperança, que aquela atitude – aquela decisão – gere alívio, retire sofrimento e resulte em mais pessoas fora da fila de transplantes.”
A partida desta pessoa especial é assim: dói muito, é um imenso pesar, mas, por suas histórias, por suas ações, ficam conosco muita esperança pois ainda vamos melhorar muito a doação de órgãos. Quando, em 1998, Eduardo, filho de Francisco então com 15 anos, faleceu na fila de transplantes, à espera de um coração, somente um transplante cardíaco foi realizado no Rio Grande do Sul. Os quase 20 anos de atuação da Adote contribuíram para que, ano passado, 25 vezes mais pessoas fossem beneficiadas com um novo, pulsante, alegre e humano coração. Francisco partiu e foi encontrar seu filho com este imenso legado.
Quem conhece Joel de Andrade sabe o quanto especial e capaz este gestor é. Desde 2005, atua na na Coordenação das doações no Estado de Santa Catarina. Pouco depois, com humildade, saiu de Florianópolis e foi conhecer o já reconhecido Modelo Espanhol de doação e transplantes. Voltou para o Brasil e iniciou uma revolução gerencial na forma de equilibrar o pesar e a esperança.
Nesta foto , retirada dentro do Hospital La Fe, na Espanha, Eu, Rafael Paim a esquerda, Rafael Lisboa (Intensivista de SC), Ruan Galán (Coordenador Hospitalar e orientador de Joel), Manuela Sánchez (Enfermeira de Coordenação do H. La Fé) e Joel de Andrade (Coordenador Estadual de SC Transplantes.)
Joel entendeu e praticou liderança, estabeleceu uma forma de agregar e, principalmente, formar pessoas-profissionais, priorizou hospitais com maior potencialidade de ofertar órgãos, ampliou a humanização e o direito de acesso aos transplantes, estabeleceu indicadores de desempenho, metas e práticas de melhoria de processos, aumentou a coordenação-fluxo entre a secretaria e os hospitais, implantou sistemas de comunicação e informação, estabeleceu perfil e remuneração para os profissionais, fez e manteve parcerias, compartilhou com a imprensa a transparência do sistema de doação e transplantes de Santa Catarina (e a tem como aliada), ampliou e viabilizou acesso a recursos federais, controla a relação custo efetividade dos hospitais ofertadores de doações e, ainda, transformou a política de governo para os transplantes em política pública de Estado, contínua e em plena ascensão, pois se renova com estratégias situacionais e efetivas. Um exemplo de estratégia não intuitiva e fundamentada em pesquisa está a prioridade para formar e qualificar profissionais para oferecerem as famílias a possibilidade de doação em detrimento de campanhas publicitárias pagas. A publicidade gratuita vem da relação positiva com a imprensa e os recursos que iriam para campanha vão para treinar profissionais. Os resultados mostram que está no caminho certo. Estados Unidos e Espanha fazem o mesmo.
Nesta foto, destaque para Carmen Segovia, grande especialista espanhola em comunicação em situações críticas, e melhoria na oferta da possibilidade de doação para as famílias. Santa Catarina trouxe Carmem para treinar profissionais de vários estados brasileiros em agosto de 2017. Em setembro, houve recordes de doação.
Joel não só prioriza a qualificação de seus profissionais, mas criou e reconheceu equipes, trabalhou e trabalha em conjunto, inspira, lidera e deixa e faz o sistema funcionar. Faz Gestão. Seu trabalho tem sido multiplicado, adaptado e melhorado no Paraná, São Paulo e em todo o Brasil.
Resultado: não só mais e mais famílias saíram da fila de transplantes, mas mais e mais famílias foram acolhidas em seus momentos de dor, de pesar, e – por terem encontrado profissionais treinados, experientes, sensíveis e muito humanizados – tiveram esperança que a decisão de doar pode reduzir a dor do luto, dar sentido a perda de alguém querido, aumentar a solidariedade entre os seres humanos e ser o maior e mais belo ato de amor a vida que se pode ter.
Com pesar, e estou chorando, e com a Esperança que a gestão realizada por pessoas-profissionais, fico com a certeza que o futuro trará um fila de transplantes menor, com mais pessoas, vivendo melhor, vivendo mais.
A esperança vem de pessoas que já passaram por nós como o querido Chico e estão conosco como Joel de Andrade, Arlene Badoch, Marizeth Medeiros, Rosana Nothen e tantos lideres-gestores-profissionais de Saúde, que se dedicam a coordenar este lindo e difícil sistema de doação e transplantes de órgãos e tecidos.
Termino com a certeza que a Gestão irá continuar a aumentar a quantidade de famílias que são beneficiadas pelo direito de doar e reduzir o pesar com a esperança dos transplantes.
* Pós-doutorando CESS/COPPEAD. Professor Adjunto do Departamento de Engenharia de Produção do Centro Federal de Educação Tecnológica Cefet-RJ. Atual presidente da ADOTE
Uma resposta
A mudança de foco de campanhas publicitárias pagas para o uso de recursos públicos em criar estruturas e fluxos operacionais com timing , diagnósticos de morte encefálicas em seus graus , incorporando intensivistas locais, anestesistas e equipes cirúrgicas, nessa revolução que vem ocorrendo desde 2009 com o modelo descrito pelo Rafael tem mudado mesmo o panorama aqui no Rio e no Brasil. Parabens para a ADOTE e as estruturas como o PET e os avancos do SNT.
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